foi a Velha Usuária que disse, mas hoje as palavras são minhas também

Talvez você não tenha escolha, talvez a forma do amor seja sempre a de uma esfera – como uma bola de cristal. Ao menos assim se manifesta quando lhe rompem em pedaços, lhe quebram.
Ele, que era só forma.
Estilhaça-me. E não sobram especificidades de esfera. Esfera… Só restam pedaços disformes e estes se fazem apenas função. Destina-se a sangrar quem lhe quebrou, não por raiva nem deliberadamente. É sua forma-função que fatalmente assume.
Ainda julgam-me cruel, porque não sou eu quem sangra. Como se apenas o sangue legitimasse sofrimento.
Acontece que dor do corte é óbvia, carne, é sentir o substancial presente, inquestionável, tão certo quanto é a coagulação.
Quando se é resíduo de algo a sua própria existência não passa da intuição de um passado. A única confirmação de realidade é ter perfurado aquele que o transformou em estilhaço. No pequeno espaço de tempo em que tudo se quebra e o sangue escorre, esquece-se o que é que foi quebrado, pois as partes não podem ter noção do todo.
Vou lhes contar do sofrimento de fazer sangrar.
Quanto mais os cacos perfuram, mais percebem o que não são, que lhes faltam partes. Esse sofrimento, da inconpletude é sua condição de caco, um vazio consciente e incerto, vazio que não consiste em morte. Em suspiros dilacerantes, uma dor que não sangra.

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