Arquivo de: ago.2009


Não entendo

Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Clarice Lispector

ESCOLHAS

Eu escolhi

Eu escolhi ser curiosa

Eu escolhi fazer o que eu gosto

Eu escolhi contar a verdade

Eu escolhi dizer o que eu sinto

Eu escolhi me expressar

Eu escolhi ser independente

Eu escolhi o que eu penso

Eu escolhi me importar

Eu escolhi andar por ai

Eu escolhi amizades verdadeiras

Eu escolhi olhando no olho

Eu escolhi as relaçoes claras

ESCOLHA

Sei de gente obcecada com nenhures, convencida de uma importância que não tem nem nunca terá, gente paranoicamente consumida pelo estímulo da perseguição, que a toda a hora projecta nos outros os seus mais recalcados vícios, sei de gente que, vista de perto, é como um imenso lago viste da estratosfera, ou seja, nada, gente que se julga mais gente do que na realidade é. Sei de gente que anda sempre à procura de alguma coisa com os olhos no horizonte, gente que olha tanto para a frente que nem repara na merda de cão que pisa enquanto anda, porque é gente que não olha para os próprios pés nem nunca os traz descalços, é gente que passa a vida a tentar olhar o mundo por cima dos ombros de outra gente, arrastando consigo o caos dos equívocos que matam e ferem e deixam cicatrizes impossíveis de sarar. Os departamentos de estado devem rebentar pelas paredes de gente assim, gente que olha para tudo com um terceiro olho e procura no vazio alguma coisa que possa estar cheia, uma coisa que não se sabe bem o quê, gente que paga e despende, gente que desperdiça os dedos sem olhar as unhas, gente com garras de borracha e vestidos de organdi. Os departamentos de estado simpatizam com gente assim. Esta gente é o sexo dos anjos, um sexo murcho e cobarde a agir por antecipação, um orgasmo precoce que não tem escrúpulos na traição porque é gente que desde pequena se trai a si própria. Por alguma coisa, todos queremos alguma coisa. Ansiamos pelo nosso dia, pela hora h, pelo momento de sorte que até aos nascidos sem cu causa excitação. Mas não nos excitemos em demasia. Quando menos esperamos, o que julgávamos grande torna-se pequeno. Nestas coisas é preciso ter o olho da demora. Não vale a pena querer ver a Terra da lua se nem para a vermos dentro da nossa própria casa temos olhos. Pousemos a cabeça sobre a nação. As conspirações apenas nos ensinam que nada temos a aprender.


Li aqui.


Pelos beijos que poupei,
pelas pratas empenhadas,
pelas horas que não sei
onde foram derrubadas;

pelo breve candeeiro
que me tem encandeado,
pela falta de dinheiro
para o supermercado;

pela fuga dos amigos,
pela música calada,
pelos dias resumidos
ao encontro com o nada;

pelo pó da autoria
no fundo das estantes,
e pela miopia
dos soluços dominantes;

pela tinta nos meus dedos,
pelos passos sem destino,
pelos tojos e penedos
no meio do caminho;

pela vida dicionária,
exangue de ilusão,
e a arte solitária
de morrer do coração.

José Miguel Silva, in O Sino de Areia, Gilgamesh, Agosto de 1999.

Partly Cloudy [óh...]


Novo filme da PIXAR

Sobre Nuvens, Amizade…

sobre MIM
Minhas Viajens em Fluxo de Pensamento
e Bicicletas nas Kaixinhas de Pandoras..

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